Nesta página temos as colunas sobre esporte no cinema, originalmente escritas na Revista Sportyard.



The Loneliness of the Long-Distance Runner
A indústria cinematográfica da Inglaterra não era considerada de grande qualidade até 5 de fevereiro de 1956, quando um grupo de diretores, entre os quais Lindsay Anderson, Tony Richardson e Karl Reisz, lançaram um manifesto numa exibição de seus curtas-metragens.
Os curtas não foram realizados por um coletivo, mas por diretores aparentemente sem afinidades que notaram que seus filmes tinham algo de novo perto do congelado cinema comercial inglês da época.
A estética nova que eles propuseram eram de produções baratas, com atuações realistas, técnicas simples de fotografia, sem invenções estilísticas, que tratassem de problemas sociais dos jovens. Estes conceitos acabaram criando identificação entre esses filmes e a cultura rock que florescia na época. Inclusive a banda Iron Maiden fez uma música chamada The Loneliness of the Long-Distance Runner.
Esse é o mesmo nome do filme de 1962 que comentaremos nesta edição – uso o nome em inglês por causa que não houve tradução brasileira para esse filme.
The Loneliness of the Long-Distance Runner é dirigido por Tony Richardson, um dos diretores que haviam assinado o citado manifesto, que foi intitulado de Free Cinema.
O tema do filme é comum: um garoto pobre de Nottingham, norte de Londres, tem uma família desestruturada – três irmão ainda crianças, pai recém falecido e mãe que traz um outro homem para dentro de casa um dia depois de enviuvar.
Esse garoto chamado Smith comete um roubo, é pego e vai para o reformatório. Ele é um rebelde, mas um rebelde diferente de James Dean ou dos mods e dos rockers londrinos.
Smith tem consciência dos problemas sociais e da moral hipócrita que vive a Inglaterra de sua época, porém, apesar de ser contra isso, de assaltar e discutir e até brigar no reformatório, vemos uma ingenuidade infantil em sua rebeldia.
Smith está preso na sua classe social, na sua família desajustada e depois fisicamente no reformatório. A única coisa que lhe dá liberdade são as corridas de fundo, em que descobre ser bom, na sua estadia no reformatório. As longas cenas de corridas aos embalos do jazz são o ponto alto do filme.
A corrida final, de 7,5 Km, entre os garotos do reformatório contra os de uma escola particular, é muito bem filmada, com uma tensão crescente, não na dificuldade em si, mas nas divagações e interrogações de Smith, entre ganhar a corrida e conseguir vantagens no reformatório ou perder e se rebelar de sua forma infantil contra as prisões que querem tirar a única coisa que pode torna-lo livre, sua dignidade.
Um filme simples, com história e técnica simples, mas que consegue fazer refletir, através da na solidão do fundista, além de ter sido eleito um dos 1.000 melhores filmes de todos os tempos, pelo The New York Times.

Ping pong na Mongólia
(Mongolian Pin Pong)
É difícil imaginarmos que ainda exista povos nômades nos dias atuais. Os quirguizes, os cazaques, os uzbeques e outros países da região, podem dar a ideia de serem os últimos desses povos na Ásia até o domínio soviético.
Porém, muitas pessoas ainda vivem desta maneira. Pastorando ovelhas, criando gado e cavalos, com casa de lonas e outros materiais desmontáveis facilmente, muitas pessoas ainda vivem desta forma, sem luz, aquecimento a gás, água encanada, telefones, internet e outras facilidades da vida moderna. É sobre esse grupo de pessoas que trata o filme Ping Pong na Mongólia, de 2005, filme de estreia do diretor Ning Hao.
Para o filme não cair simplesmente nas diferenças de sociedades, apesar de também tratar do tema, a história gira em torno de três crianças. As diferenças de sociedades, desta para a China moderna, com suas metrópoles, vemos logo na primeira cena uma foto tirada de uma casa com a Praça da Paz, em Pequim, ao fundo. O casal usa roupas ocidentais. Logo a câmera vai para o lado e vemos as estepes chinesas, com toda sua imensidão, praticamente intocadas. Depois o casal pede uma foto com fundo Americano, e o fotógrafo coloca, no fundo, o Arco do Triunfo.
A câmera sempre contempla estes espaços vazios com a câmera centralizada. Uma das únicas construções que aparecem é uma casa nômade. O fotógrafo é um vendedor ambulante que supre os povos das estepes e é a única ligação com eles. A sensibilidade do filme, e o que faz com que o queremos assisti-lo, é uma criança que encontra uma bola de tênis de mesa boiando em um rio. A pequena bola não pertence ao mundo deles, e eles não fazem a menor ideia do que é aquilo. As crianças perguntam para o pai, que não ligam para aquilo, por estarem acostumados a uma vida inteira sem conhecerem as cidades, somente cada canto daquela região. Mas a bola fascina as crianças, que ainda sairão de lá e conhecerão o mundo. Primeiro eles acham que é uma pérola fosforescente dos deuses do rio, mas um dos adultos compra uma televisão que quase nunca funciona, ligada em um gerador. Em uma das raras vezes em que ela pega, as crianças escutam ouvem que a bola de ping pong e a bola nacional da China.
Aqui vale um parêntese para dizes que o nome do filme tem Mongólia, mas não é o país, é uma região no norte da China. Sabendo que a bola é o símbolo nacional, eles resolvem ir a Pequim devolvê-la ao governo, que deve estar preocupado com ela, por isso sonham, um dia, atravessar o deserto de Gobi e a levar a capital.
A bola, pelo fascínio que causa, acaba causando desavenças entre os amigos mirins. É como a garrafa de Coca-Cola introduzida em um meio em que todos dividem tudo, em Os Deuses Devem Estar Loucos, mas não é uma comédia como este filme, e sim um drama. O pai de um deles, diz para eles, que “irmãos da estepe dividem tudo”, mas com objetos exteriores ao mundo deles, isto não pode funcionar.
Como o menino que achou a bola completou sete ano, os pais resolvem manda-lo para a cidade estudar. Uma das cenas que deixa o menino perplexo é que pessoas da cidade param para tirar fotos com o cenário da estepe no fundo, algo tão comum para ele.
Já na escola, o menino ouve, vindo do ginásio, barulhos como se fossem batidas na mesa. O objetivo aqui não é dar spoiler, mas a cena que vem a seguir é uma das belas, e um dos finais mais bonitos, do rico cinema asiático.
